Quem lê os livros do norueguês Jo Nesbo talvez nem imagine que antes de se encontrar na literatura ele já foi jogador de futebol profissional, economista e até integrante de uma banda de rock. Hoje, Nesbo é um dos mais aclamados escritores de ficção noir, com mais de 40 milhões de exemplares vendidos nos 50 países em que é publicado.
Conhecido por ambientar suas histórias na fria Oslo, em “O sol da meia-noite”, sequencia de “Sangue na neve”, Nesbo leva a trama para uma cidade nórdica onde o sol nunca se põe – e na qual já morou quando era jovem.
Jon era um mero traficante de haxixe, o que era conveniente para sustentar o seu próprio vicio na droga, até acabar se envolvendo com o Pescador, um bandido tão influente quanto impiedoso. Jon foi chamado para cobrar dívidas em nome do Pescador, o que significava que precisaria matar algumas pessoas, mas isso, definitivamente, não era a especialidade (e nem a vontade) de Jon. Cansado do acordo, ele acaba traindo o chefe e agora precisa se esconder.
A cidadezinha escolhida é Finnmark, um local no norte da Noruega, perto do oceano Ártico, isolado o suficiente, e onde o sol nunca se põe. Jon tenta evitar os moradores locais em uma tentativa de passar despercebido, mas seu caminho cruza com o de Lea e o filho, Knut. Seus improváveis aliados o abrigam em uma velha cabana de caça no meio da floresta. Lá Jon poderia ter paz. Ou era o que pensava.
Um dia ele recebe a noticia de que os homens do Pescador estão a caminho. E ele sabe que o seu ex-chefe sempre encontra o que procura.
“O sol da meia noite” chega às livrarias este mês pela Record.
Jo Nesbøvive em Oslo. É músico e economista, além de um dos escritores mais bem-sucedidos e aclamados na Europa atualmente. É autor de Garganta vermelha, A estrela do diabo e O redentor, entre outros títulos publicados pela Editora Record. Seu primeiro thriller policial estrelado pelo detetive Harry Hole tornou-se sucesso instantâneo na Noruega, conquistando o Prêmio Glass Key como melhor romance nórdico de 1988.
História. Se há uma palavra que pode nos ajudar a definir atmosferas e temas cinematográficos, e suas diversas épocas referentes, é essa palavra, tão curta e ao mesmo tempo tão abrangente sobre diversificados assuntos. Pois bem, o contexto histórico de Live by Night (A Lei da Noite), dirigido, escrito e atuado por Ben Affleck, é nada menos do que situado no intenso período entre guerras – chamado assim por se tratar da época entre as Primeira e Segunda Guerras Mundiais (1918-1939) –, e, embora a sua primeira caracterização seja como um filme de gângsteres, há outros gêneros embutidos em sua narrativa, os clássicos film noir e, ainda mais antigo, western.
“A Lei da Noite” estreia hoje e mescla dois gêneros. (Foto: Divulgação)
Dos três gêneros, aquele que pode ser identificado como presente na época entre guerras, de fato, são os filmes sobre a máfia (gângster), embora há uma ressalva sobre essa ideia. Coloco isso pelo fato de que esse gênero, aqui reconhecido, é tradicional desde os anos 1910 no cinema, mas, ainda assim, ganhou maior destaque na clássica fase a partir dos anos 1930, com a chegada do cinema sonoro no final dos anos 1920. Já o gênero noir, com elementos que o colocariam como um “filho” do cinema dos mafiosos, chegaria na época dos anos 1940, com tramas complexas recheadas de textos extensos, personagens ambíguos e crimes a serem desvendados por um perspicaz detetive. O último deles, western, os famosos filmes de cowboy, com grandes perseguições a cavalo e com xerifes e bandidos trocando tiros em meio a diligências, existe desde a passagem dos séculos XIX a XX e, assim, como um dos primeiros e mais clássicos gêneros do cinema.
Em um âmbito mais geral, os três gêneros tratam de tramas sobre crimes, um deles movidos pelo ponto de vista dos criminosos (gângster), outro pela observação dos homens da lei (noir), e o terceiro pela caracterização quase mítica de ambas as figuras, em contínuos combates (western), nos quais cada um deles possui seus característicos personagens e motivações narrativas. Entretanto, o quê esse resgate histórico teria a ver com Live by Night?
A trama serializada de Ben Affleck, e digo isso porque há uma característica diferença entre os diversos “climas” presentes em sua narrativa visual e textual, é caracterizada por esses três gêneros, misturando aspectos das temáticas e trazendo um interessante diálogo entre elas.
Podemos iniciar nossas investigações fílmicas, primeiramente, pelo tema principal que surge na narrativa de Ben Affleck, que é justamente a atmosfera caótica e violenta, com uma copiosa trama de vingança e manipulação, que aparece entre as grandes ações dos personagens masculinos criados pelo atual diretor e roteirista. Algo típico do cinema gângster e que é um fator que conduz grande parte do texto de Affleck é a forma como as famílias White (máfia irlandesa) e Pescatore (máfia italiana) se entrelaçam de maneira rivalizada, com uma ação possuindo o retorno da outra e vice-versa, num jogo contínuo de ameaças nas quais os civis são meros espectadores.
Entretanto, embora o gênero dos gângsteres seja, em suma, uma temática altamente patriarcal, na qual os homens não apenas possuem o grande domínio das ações assim como, seus principais representantes, tratam as mulheres como simples joguetes em suas mãos, aqui temos algumas das mais importantes motivações dramáticas conduzidas pelas mulheres. Embora isso não evite um contexto maniqueísta, propõe uma contraposição ao gênero. Isso trata, diretamente, de dois aspectos, um próprio do film noir: a presença da femme fatale, e outro típico do western: a força da mulher redentora.
O tipo feminino da femme fatale trata do excessivo medo, na época após a Segunda Guerra Mundial, que a sociedade machista começava a ter sobre a figura independente da mulher. No período dos embates bélicos, as mulheres tiveram que aprender a serem independentes da presença masculina, e quando os soldados, voltando dos campos de batalha, se deparam com essa mulher, muitas vezes firme e segura, isso lhes causa insegurança e medo de perder o domínio sobre seus lares. Já a mulher redentora simbolizava a categórica mulher branca, originada de um contexto mitológico relacionado às narrativas do cativeiro. Essas contavam como que essas mulheres, raptadas por índios, suportavam tamanhas provações e esperavam da graça de Deus um resgate sagrado, normalmente realizado por um homem branco, o que as faria conduzir suas vidas diante dos valores da sociedade auto-identificada como cristã e moralizante.
As formas pelas quais a sociedade compreendia a figura da mulher fez com que surgissem cada um destes tipos femininos, de acordo com cada época cinematográfica. Dessa forma, aparecem os estereótipos integrantes em cada atmosfera: a femme fatale (mulher fatal, figura sexualizada, que manipula o homem em busca de interesses próprios e que pode domesticá-lo) e a mulher redentora (a dama pura, figurada pela mulher cristã e que irá propor a redenção do homem através do sentimento do amor puritano). São esses os contextos e temas trazidos por duas das principais personagens, uma pelo aspecto de manipulação sexual de duas das principais figuras masculinas, e a outra pela intensidade dramática e purista pela qual suas ações direcionam as decisões de um dos personagens ao retorno dos valores morais da sociedade.
Adicionada a essas importantes figuras para o roteiro de Affleck, temos outra mulher, situada entre as duas motivações femininas, que irá influenciar as decisões políticas do personagem principal, assim como irá propor uma redenção de suas ações em busca de uma vida direcionada ao amor em família.
Isso nos mostra a intensa ambiguidade no texto de Live by Night, enquanto nos ajuda a caracterizar os diversos “climas” diante de sua narrativa. Assim, embora nesses momentos serializados o filme não perca o seu tom de manipulação através das “políticas de mercado” – aquelas categóricas dos filmes de gângsteres e que dispensam maiores comentários –, imprime um contexto, no qual, embora se acredite que tais mulheres tomarão determinadas ações, as mesmas podem surpreender mesmo o espectador mais atencioso à narrativa. E isso tratando, ao mesmo tempo, de figuras já estereotipadas em gêneros clássicos e de motivações pessoais, dessas personagens, que vão se modificando e dificultando que o público consiga definir o rumo pelo qual cada uma delas irá seguir.
Dessa forma, com essa constante mistura de gêneros, principalmente pelas personagens femininas, e com uma direção de arte que acompanha diversos tipos de ambientações sob os gêneros gângster, noir e western, Live by Night nos propõe uma narrativa que, embora siga a história de Joe Coughlin (Affleck), possui sua imagética voltada a grandes gêneros hollywoodianos. Isso não nos direciona apenas a um passado nostálgico sobre diversas épocas, mas também nos coloca diante de antigas construções narrativas da figura da mulher, sobre as quais, se as observarmos bem, podem representar a forma maniqueísta pela qual o patriarcado tende a observar a sociedade.